Fugaz
Creio ter tomado das palavras esse hábito de escapar-me
De fugir-me a todo instante
Às vezes desconfio de que como uma maldição
Cravaram em mim sua natureza escorregadia
E assim acabei me tornando esse pau pra toda obra
- essa que carrega pedras, que arma barraca na feira,
que escreve para os jornais e no final do dia demite-se de si
Sinto-me a cada dia destinada a viver uma vida diferente
Não sei que sina é essa de ser sem ter vida própria
De ter vida, apenas
Sou descontínua como um sonho, uma piada, um minotauro
Começo absurda e termino banal
Começo animal e termino gente
- nem mesmo num mesmo espaço sei ser homogênia
Todos os dias olho para o espelho e estranhada de mim
coloco a culpa no tempo
O que sinto é que viver evapora-me.
Alucinada procuro uma consistência, uma certeza
Mas até minhas verdades são feitas de palavras e nada mais
Não sei erguer prédios a partir delas
Fugaz, passo na boca dos outros como um “bom dia”
Às vezes passo em suas mãos
Mas muitas vezes nem me tocam
Sou como um perfume vagabundo
-fácil e atraente e sobretudo sem fixidez
Ao contrário dos outros sou de despedidas
Apenas dou-me inteira porque carrego no meu princípio
o desejo da partida
Não sei amar ninguém pela metade e muito menos aos poucos
Sou de deitar-me com estranhos
(Mas é que eles não me parecem assim)
Identifico-me antes de ver as diferenças
Espero que o tempo me perdoe por ser essa traidora
Por nunca ter aprendido a respeitar suas leis
Por nunca ter conseguido controlar essa ânsia
E hoje até gostar dela
Mas como diabos se faz para se ser fiel a uma natureza traidora?
- Eis onde as palavras não dão conta.
6 comments:
Isso é lindo!
Caracoles!!!
Q é isso?
Perfeito!!
To aki arrepiado!!!
Parece q o poema me leu...
Caramba! Como é verdadeiro e belo o que vc escreve.
T
Puxa, dá uma olhada na sinopse do livro: O corpo traído
K.
"Cravaram em mim sua natureza escorregadia
E assim acabei me tornando esse pau pra toda obra"
Isso é muito bom. Parabéns!
bem belo, flavia
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