Na onda do Tropicalismo

Filme: Bananas is my buisness

Direção: Helena Soldberg

Ano: 1994

Banana is my buissness, o documentário realizado por Helena Soldberg, em 1994, sobre a atriz, cantora e precursora do Tropicalismo, Carmem Miranda, é um documento valioso a ser guardado pela sociedade brasileira. Infelizmente, o filme não interessou o bastante a indústria do home vídeo e a transformação do material em dvd ficou a cargo da própria diretora, que apenas vendeu algumas cópias diretamente aos mais interessados. Fora isso, banana encontra-se apenas disponível em VHS, e não precisamos nem dizer que nosso vídeo está quebrado, que as prateleiras do formato nas locadoras estão extintas ou, no mínimo, empoeiradas.
Então, aproveitando um aparente, embora tímido ainda, movimento de revitalização do Tropicalismo, que juntou o centenário de Carmen, Carnaval, a estreante e muito boa Silvia Machete, vou aproveitar o embalo, escrever sobre o filme e torcer para essa febre tropical pegar a gente de vez.
Certamente, a figura de Carmen Miranda não fascinou apenas Helena Solberg, como bem mostra o filme, cuja uma das primeiras cenas é uma multidão de admiradores a seguir o caixão de Carmen, recém-chegado dos Estados Unidos. Nessa cena já estão preanunciadas algumas das questões centrais de Banana is my buissness: a questão do mito (perfeitamente condensada na imagem de um caixão cercado de gente), e indissociada dela, o problema da identidade (pois sabemos, por meio da narrativa em off, que o caixão está vindo dos Estados Unidos, onde a cantora e atriz viveu a maior parte de sua carreira, embora tenha vivido a juventude no Brasil e nascido em Portugal).
Poderíamos dizer que um filme sobre Carmen Miranda, dificilmente, poderia se furtar a trabalhar esse tema, tendo em vista que o nosso ponto de partida é uma figura lendária, que em muito concorreu para formatar um determinado imaginário do Brasil nos Estados Unidos e na Europa. Mas o que chama atenção aqui é que o interesse da cineasta é problematizar a identidade de um único sujeito para a partir daí sim, por meio de uma relação metonímica inevitável, chegar ao questionamento mais amplo que concerne à questão da construção de uma identidade nacional e a formação de um imaginário brasileiro no exterior.
É também em função dessa opção de colocar-se colado ao seu objeto que Banana se coloca como um filme profundamente `sentimental`, no qual o interesse não é situar-se fora da realidade do qual o filme trata, nem estar minimamente dela distanciada. Mas, ao contrário, colocar-se como parte desse universo, compondo uma narrativa semi-ficcional na qual a própria diretora empresta seu corpo e imagem para reconstituir a trajetória de seu personagem.
É desse desejo de colar-se ao objeto, transformando-o em sujeito, que a diretora faz um filme que deseja ir na contramão do simples aceite dessa figura caricata. Ainda que seja para, ao final das contas e a despeito das intenções do filme, atestar sua impossibilidade.
Pois cedo ou tarde, a questão que se coloca é:
Por mais que possa bastar um único dia para percebermos a infinidade de riqueza musical, étnica, religiosa que pode existir em um bairro, por mais que um único ser humano possa ser, dentro de si, tão diverso e complexo quanto um país inteiro, ainda assim, como escapar a redução e a caricatura? como não ser simplesmente o país do samba e do futebol? ou do das favelas e da bala perdida? como não ser a Carmen do cacho de bananas que voltou americanizada?
Acaba que o próprio filme não é capaz de resolver esse impasse (mesmo porque não o pretende), e a voz que acaba sobressaindo ao assisti-lo é de um certo ressentimento. O sentimento da cineasta de não poder compreender como se pode reduzir tamanhamente um ser humano. `Como puderam fazer isso com a nossa Carmen` ? A pergunta que fica no ar é: como pode uma pessoa, infinitamente plural e complexa, ser reduzida a uma única imagem, a um único ângulo de câmera, a um único papel? Como pode alguém fazer a vida inteira um mesmo show, interpretar a vida inteira um mesmo papel? Transformar-se em um personagem para os outros que, em algum momento, tornar-se-á imagem que tem, inclusive, de si própria.
O momento mais marcante do documentário talvez seja o depoimento de um senhor que havia trabalhado com Carmen em Hollywood e relata que, a certa altura do campeonato, já dependente dos remédios para dormir e das anfetaminas para ficar acordada nos momentos do espetáculo, Carmen só levantava da cama para fazer os shows. Ou seja, havia tornado-se única e tão-somente um personagem, uma imagem, um objeto, destituído de identidade.
O que poderia chapar tanto um indivíduo, transformar todas as suas dimensões em uma única camada como se faz com um comando de photoshop?
O filme tenta oferecer ao telespectador uma resposta, apontando para o esquema acachapante a que foram submetidas, pelas indústrias de Hollywood e do showbuisness, Carmen e outras estrelas. O que é extremamente pertinente, mas que faz de forma rasa, porque seria impossível o filme dar conta disso também.
No entanto, o grande efeito e mérito de Banana is my buissness é colocar ao telespectador o questionamento, muito pertinente nos dias atuais, de quais podem ser as conseqüências de uma sociedade estabelecer seus referenciais exclusivamente baseados na imagem. Porque passa ano, passa década e Carmen continua a musa das bananas. Porque passa década, passa século e continuamos o país do Carnaval.

1 comments:

Anonymous,  March 27, 2009 at 5:24 PM  

Justamente. Um problema grave no nosso país não é apenas sermos vistos como o país do Carnaval e outras coisas do tipo, mas sim nós nos vermos assim. Nós nos coisificamos, nos estereotipamos e nos limitamos quando pensamos assim.

Mas, como mudar, num mundo que não privilegia a reflexão e exalta o processo de estereotipação?

Bom, pensei muito no que comentar sobre esse post, mas é uma questão complicada, pelo menos para mim.

Beijões, Flávia!

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